Só que o sonho virou pesadelo… Descobri, infelizmente, as mazelas de sentar na cadeira alta. E a revelação veio às 5h30 quando a medonha entrou no ônibus. Chegou cambaleando, a cara amassada, cabelo desgrenhado e jeito de quem acordou atrasada, vestiu uma roupa e saiu correndo atrás do busão. Não bastasse o desengonço para atravessar o coletivo, incomodando os demais passageiros, ela reconhece a “colega” de trabalho… ao meu lado… pensei: “Senhor, porque me abandonaste?”. A luz se apagou, os anjos luzentes recolheram suas harpas e se mandaram.
Já na primeira frase, minha vontade foi de enfiar a cara em um buraco, de preferência com um frasco de Gleid… Aquela boca não via uma escova de dente há séculos, indaguei-me. Pensei na notícia veiculada em jornais na semana passada: “Há 27 milhões de brasileiros que nunca foram a um dentista… E essa mulher é a primeira da lista”… Cada palavra dela soava como uma trombeta do apocalipse, anunciando o fim do mundo… E, sério, pedi pelo fim do mundo. Pedi para que pelo menos um buraco se abrisse ao meu lado e ela fosse sugada… Na cadeira alta do ônibus, a boca dela era um esgoto rente ao meu pobre e indefeso nariz. Naquele momento eu odiei a cadeira alta. De refúgio divertido, a cadeira alta se tornou minha inimiga.
Depois de uma conversa de 15 minutos, ela diz que vai descer. Dei saltinhos de alegria em meu pensamento… a tortura teria fim, os anjos talvez voltassem e eu, quem sabe, sobreviveria… Quando ela deu sinal, me senti como um réu absolvido do mensalão… tô livre…. ela se foi, essa foi por pouco… O dia recomeçou para mim. Pude trabalhar, mas com o estômago revirado. Na volta para casa, a cadeira alta estava lá, vazia. Mas preferi escolher outro assento. A cadeira alta agora era só um lugar solitário, como tantos outros no ônibus, onde nem anjos nem montanhas-russas conseguem me animar.”
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